Apesar das mudanças no cotidiano da cidade, muitos mantêm a construção dos barcos de madeira
FONTE:DN/REGIONAL por Marcelino Júnior - Colaborador
Camocim. Ao visitar Camocim, no Litoral Oeste do Ceará, as pessoas se encantam com a bela paisagem que salta aos olhos, ao circular pela Avenida Beira Mar, que margeia a cidade. O encontro do Rio Coreaú com o mar é um espetáculo à parte, que se desdobra com a visão privilegiada de mangues, belas dunas e coqueiros a se perderem de vista. Outro item que faz parte do pacote de atrativos visuais da cidade são as pequenas embarcações de madeira; em sua maioria, canoas, botes e jangadas, ancorados ao longo de quase toda a orla, ou riscando as águas, formando um cenário inspirador para os mais românticos, como descrito na pérola da Bossa Nova 'O Barquinho', imortalizado na voz de Nara Leão.
Bela imagem
Sempre coloridos e batizados com nomes de pessoas, os barcos, aparentemente frágeis, dançam ao sabor do vento, num vai e vem quase preguiçoso, que desperta a curiosidade, não apenas sobre a atividade da pesca artesanal na região, mas sobre a coragem do pescador, que se arrisca mar adentro para garantir o sustento da família. E o esforço na lida com o mar não se restringe à busca incansável pelo pescado, encontrado a quilômetros dali.
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Os homens corajosos, que cortam as ondas empurrados pelo vento em pequenos grupos de pesca, muitas vezes são os mesmos que se utilizam de outras ferramentas para dar forma e volume à madeira utilizada na construção das curiosas embarcações que fazem parte da paisagem cultural de Camocim.
Ofício
É no Bairro Coqueiros e na comunidade do Pantanal, formados por famílias de pescadores, onde se concentram os trapiches, pequenos atracadouros para embarcações de pequeno porte. De lá saem as canoas, botes e jangadas, conhecidas como 'Botes Bastardos', denominação dada aos pequenos barcos equipados com velas triangulares, as chamadas velas latinas (criação árabe para a navegação no Oceano Índico).
Tais botes são tidos por estudiosos como o barco a vela latina mais antigo do mundo em atividade. O que chama atenção da estrutura é que o feitio artesanal das embarcações não é uma técnica desenvolvida em instituições de ensino formal, e sim, um saber transmitido de geração a geração. Apesar das mudanças que o tempo trouxe ao cotidiano da cidade, oferecendo outras possibilidades de trabalho, muitos ainda mantém a tradição da construção dos barcos artesanais. Como é o caso do senhor José Maria Ribeiro, de 70 anos, marceneiro aposentado, que aprendeu a arte da marcenaria naval com o pai, tendo repassado aos filhos. Mesmo afastado da lida diária, vez ou outra, o velho marceneiro naval põe seus conhecimentos em prática pela paixão ao ofício, que tem diminuído na cidade, segundo ele. Hoje, José Maria lembra com saudade os tempos áureos da construção das pequenas embarcações em Camocim.
"Há cerca de 20 anos, quando Camocim era considerada a terra do peixe e da lagosta, nós chegávamos a construir muitos barcos, toda semana. A pesca predatória diminuiu a produção de peixes em Camocim. Com isso, não há muitas encomendas de novas embarcações. Quem ainda resiste nesse ofício não tem apoio nenhum para continuar na profissão", lamenta o marceneiro aposentado.
Artesanal
A movimentação nos trapiches ocorre nas marés baixas, quando são feitas as reformas ou construções das embarcações. Todos os elementos da jangada tradicional, por exemplo, são montados artesanalmente, desde o mastro à vela, das cordas ao banco de navegação, redes de pesca, anzóis, âncora e samburás (cestos para guardar peixes e pertences). Em Camocim, a equipe de trabalho da oficina naval geralmente é formada por três carpinteiros, três ajudantes e um bom calafate, a pessoa responsável pela vedação do barco, importante na questão da segurança da tripulação.
No trapiche, quase todos da equipe são familiares ou possuem algum grau de parentesco. Alguns se dividem entre a pesca e a construção artesanal; outros buscam a garantia do emprego seguro, mas continuam exercitando o que aprenderam com os antepassados, por pura paixão.
O policial Adriano Bezerra é uma dessas pessoas, que aproveitam os momentos de folga para manter viva a dedicação pela construção artesanal de barcos. "Nosso setor está em queda há anos. Fora as reformas e os pequenos reparos, hoje, apenas cerca de duas ou três embarcações têm sido construídas por ano".
Enquete
Porque valorizar esses barcos?
"Faz parte da história da cidade. Aos 58 anos, posso dizer que a profissão de carpintaria naval me deu tudo que precisava para sustentar minha família, até pouco tempo. Mas a procura por esse tipo de embarcação caiu"
Valdir Braga
Carpinteiro naval
Carpinteiro naval
"Além de fazer parte do cartão postal da orla de Camocim, as embarcações feitas artesanalmente ainda sustentam muitas famílias, que dependem desse tipo de trabalho. Acho que esse patrimônio deveria ser preservado"
Adriano Sousa Ribeiro
Marceneiro naval
Marceneiro naval
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