Sambista dá o primeiro passo para um compositor lhe mostrar uma música em seu sítio: ‘Respeitar a casa dos outros e cantar samba bom’
Rio - “Pô, o DVD é assim porque meu quintal é assim: todo mundo junto. Sempre reproduzi nos DVDs o que acontece no meu quintal, e lá sempre é assim”, conta Zeca Pagodinho, que acaba de unir nomes da MPB, veteranos do samba e novos compositores no terceiro volume da série de DVDs ‘Quintal do Pagodinho’, gravada no lendário quintal do sítio que o músico mantém em Xerém, na Baixada Fluminense, desde os anos 1990. Mas a grande felicidade do sambista foi reunir no espaço 40 crianças do Instituto Zeca Pagodinho, escola fundada por ele na região, para cantar com ele o samba ‘Sonho Infantil’.
“É um sonho realizado! A escola é minha cachaça. Não, pensando bem, é meu guaraná”, brinca o sambista, que oferece aulas gratuitas de canto, teatro, cordas e musicalização infantil para mais de 200 crianças, e no ‘Quintal 3’, dividiu com o coral versos como “se eu nasci, não foi por mal/eu não nasci pivete do asfalto/nem por convicção bato carteira/apenas me defendo do assalto/desse sistema que me deu tanta rasteira”, do samba composto por Efson e Odibar. “Cada dia a gente tira uma criança da rua. Eles já se apresentaram na Cidade das Artes, estão cantando muito bem”.
Louis Carlos, filho de Zeca, toma conta da escola e estava lá junto com os professores (foram 13 na ocasião) e músicos da Orquestra Jovem de Paquetá, que acompanharam as crianças. A turma do Instituto já esteve com Zeca na gravação do DVD ‘Vida Que Segue’, e justamente na gravação da faixa-título, que o sambista interpretou ao lado de Xuxa.
“São momentos muito especiais para as crianças, até porque elas vivem perguntando por meu pai. Querem saber quando ele vai à escola, quando vai lá conversar com elas. E a gente sente que essas gravações são especiais para elas, porque elas querem estar próximas dele, mostrar o que aprenderam durante as aulas”, alegra-se Louis.
O filho do sambista deixa claro que, em momentos como esses, é o quase-cidadão de Xerém Jessé Gomes da Silva Filho (nome de batismo do sambista) que está com a criançada, e não o superstar do samba.
O filho do sambista deixa claro que, em momentos como esses, é o quase-cidadão de Xerém Jessé Gomes da Silva Filho (nome de batismo do sambista) que está com a criançada, e não o superstar do samba.
“A maioria das crianças conhece o Zeca. Não é uma convivência de dia a dia, porque não moramos mais lá. Mas estamos sempre em Xerém. Semana passada, ficamos lá de quarta a domingo. Quando tem festa da minha irmã, as crianças da área sempre vão. Fazemos também distribuição de brinquedos”, lembra Louis. “O que conta nessa hora nem é o lado de presidente do Instituto, as crianças querem é estar com ele, veem nele um exemplo a seguir. O Zeca sempre dá conselhos para eles, fala que eles estão ali não é nem para aprender música, mas para serem bons cidadãos. A intenção é formar pessoas de bom caráter, e a música é um instrumento. E a escola é um sonho realizado do meu pai”.
Para as gravações e demais espetáculos do Instituto, a ideia é aproveitar sempre o maior número possível de alunos. E mesmo em se tratando de Zeca, um grande defensor do samba, os matriculados não aprendem só um estilo musical por lá. “As crianças já fizeram um show com músicas nordestinas. Fizeram também um outro só com músicas que contam a história do Rio”, relata Louis.
Nas aulas, os mais velhos tornam-se monitores, e vão ensinando os mais novos. “A responsabilidade é grande, não só pelo fato de a escola ensinar, como também por não deixar a corrente se quebrar”.
ABELHA-RAINHA
Outro sonho realizado por Zeca foi ter ninguém menos que Maria Bethânia em seu DVD. A abelha-rainha da MPB abre o trabalho recitando o poema ‘Mora Comigo’, de Luiz Carlos Lacerda, e prossegue cantando ‘Esse Cara’ (do mano Caetano Veloso) e, ao lado do anfitrião do Quintal, o samba ‘Sonho Meu’ (de Dona Yvonne Lara e Délcio Carvalho).
Bethânia é a primeira de um time de convidados que inclui Benito di Paula (em ‘Retalhos de Cetim’, com Xande de Pilares), Marcelo D2 (‘Delegado Chico Palha’), Zélia Duncan (‘Jura’, clássico de Sinhô que Zeca relera para a abertura da novela ‘O Cravo e a Rosa’), Marcos Valle (em ‘Nas Asas da Paixão’) e novos compositores como Claudemir, que fez ao lado de Mario Cleide e Marquinho Indio ‘Ser Humano’, faixa-título do CD mais recente do sambista, e chegado há pouco no Quintal — cujo objetivo sempre foi o de reunir a “ala de compositores” do artista.
"Eu convido: ‘Vou gravar, preciso de músicas e vocês também precisam gravar, vamos lá’. Claudemir chegou e já faz parte do Quintal”, lembra Zeca.
Os novatos no time de sambistas que batem ponto em Xerém são peneirados em eventos paralelos. Mas que o candidato a “compositor de Zeca” saiba: o ambiente exige respeito.
“Tem que chegar com comportamento legal, respeitar a casa dos outros, respeitar os amigos e cantar samba bom”, assevera. Mais: tem hora para mostrar samba, mesmo porque Zeca nem fica perto da roda o tempo todo. “Vou levar meus filhos na charrete, fazer outras coisas. Apareço lá, às vezes, para puxar um samba, mas deixo a turma livre no Quintal”, conta.
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