Camilla Costa*
Ao contrário de muitos atletas que se preparam para uma competição olímpica com a perspectiva de um desempenho cada vez melhor, a nadadora gaúcha Susana Schnarndorf Ribeiro chega à Paralimpíada do Rio de Janeiro sabendo que está pior do que há dois anos e que continuará sendo assim.
"Atualmente, tenho 40% de capacidade respiratória. Agora diminuiu muito o número de braçadas que eu dou sem respirar. Já cheguei a passar mal, ter queda de pressão. É complicado para uma nadadora não ter ar", diz à BBC Brasil.
"Sei que não faço mais o tempo que fazia antes, mas me preparei muito para esses Jogos. Farei o melhor que consigo agora."
Aos 48 anos, Susana convive há 12 com a Atrofia de Múltiplos Sistemas (MSA), uma doença degenerativa rara que limita gradualmente o movimento, a respiração e outras funções autônomas do organismo.
"Meu corpo está parando de funcionar comigo viva. Eu tenho que brigar com ele", afirma.
Nessa briga, a natação paralímpica é sua principal arma. Segundo Susana, a prática do esporte de alto rendimento retardou o avanço da doença. Por isso, ela luta ano a ano para continuar competindo.
"Eu não penso hoje se vou estar andando ou conseguindo falar no ano que vem. Eu penso que ano que vem tem mundial, tem competição. Literalmente, o esporte me salvou."
Nova classificação
Depois de ser campeã mundial em 2013, Susana passou a fazer tempos piores e foi ficando para trás na sua categoria. "Entre 2014 e 2015 eu tive uma grande piora da doença, era difícil continuar competitiva. Foi um ano muito ruim", relembra.
A natação paralímpica têm mais categorias do que a olímpica, porque os atletas se dividem não apenas pelo tipo de nado, mas também pelo grau de eficiência que a sua limitação os permite ter.
Por ter uma doença que avança com o passar do tempo, Susana precisa ser reavaliada a cada dois anos por profissionais do Comitê Paralímpico Internacional, que decidem se ela pode continuar na categoria em que está. O objetivo é que as provas continuem sendo competitivas e justas.
No início desse ano, um mapeamento detalhado do cérebro da nadadora comprovou que sua coordenação motora tinha piorado. Por causa disso, ela passou da categoria S6 para a S5 - quanto menor o número, maior a dificuldade motora do atleta.
O processo não é novidade para Susana. Esta é a quarta vez que ela muda de categoria desde que começou na natação paralímpica.
Na nova posição, conseguiu se classificar para a Rio 2016. "É ruim receber um diagnóstico assim, mas eu fiquei feliz porque tinha como provar minha piora para os classificadores, deu um alívio", diz.
"Todo mundo me falava antes da reclassificação que, se não desse certo, a vida continua. Mas a minha vida é isso aqui. É o que me faz não deixar a doença ganhar."
Sonho compartilhado
Quando os primeiros sinais da doença apareceram, em 2005, Susana tinha 37 anos, era pentacampeã brasileira de triatlo e havia acabado de dar à luz a terceira filha, Maila.
O fato de já ser atleta fez com que ela se assustasse ao ver o corpo, de repente, falhar. "Eu comecei a sufocar, não conseguia engolir a comida, comecei a perder movimentos das mãos. Eu desmaiava até dormindo."
Depois de diagnósticos que foram de tumor no cérebro a mal de Parkinson, passando pela síndrome do pânico, ela descobriu a MSA. O próximo passo, conta, foi o mais difícil: a decisão de separar-se dos filhos, que foram morar com o pai.
"Minha filha era bebê e eu não conseguia cuidar dela, os outros dois sofriam de me ver daquele jeito. Foi por amor a minha decisão de não fazê-los passar por isso comigo."
Foram os filhos também a motivação para voltar ao esporte, depois que ela encontrou atletas da seleção paralímpica brasileira em uma aula de hidroginástica. "Eu não queria que meus filhos me vissem desistir", relembra.
Logo na primeira competição, Susana bateu três recordes brasileiros. No ano seguinte, estava nos Jogos Parapan-americanos. Em pouco tempo, começaria a sonhar em disputar uma Paralimpíada em casa, diante dos filhos e da família.
E, agora, se emociona ao contar o que ouviu do mais velho, Kaillani, de 18 anos, no início do ano, quando enfrentaria o desafio da reclassificação: "Agora teu sonho não é mais só teu, é nosso também".
Memória dos cheiros
Se dentro das piscinas Susana precisou adaptar-se à perda da capacidade respiratória, fora delas precisa lidar com dificuldades cada vez maiores para fazer atividades simples como comer, vestir-se, escovar os dentes.
"Preciso fazer força para falar, por exemplo. Já não é natural para mim. Também tenho que caminhar prestando muita atenção, pensando no que estou fazendo", descreve.
Mas foi o cheiro de churrasco, ou melhor, a falta dele, o que mais a incomodou recentemente. Há cerca de oito anos ela deixou de sentir o cheiro das coisas e o gosto dos alimentos. Agora, começa a perder até mesmo a memória deles.
"Outro dia alguém comentou que sentiu cheiro de churrasco. E eu fiquei pensando: 'como era mesmo o cheiro de churrasco?'. Dá uma agonia", diz.
Mas, apesar dos incômodos, ela prefere encarar o lado bom da vida quem tem pela frente. "Não sinto cheiro de churrasco, mas estou aqui treinando e fazendo o que eu mais gosto. É até melhor não sentir o cheiro para não sentir a tentação de comer", ri.
A nadadora também dá palestras motivacionais sobre a convivência com a doença, mas não gosta de falar em "superação" quando o assunto é paralimpíada.
"O maior legado da paralimpíada vai ser perdermos o rótulo de 'coitadinhos'. Aqui é esporte de alto rendimento, a superação já ficou para trás", afirma.
Ela treina quase seis horas por dia, seis dias por semana, para enfrentar as mudanças inevitáveis no próprio corpo. Mas deixa claro que não vai parar no Rio.
"Quem tem essa doença normalmente morre depois de sete ou oito anos. Eu vou completar 12 anos e estou aqui ainda. É isso que o esporte faz por mim. Eu vou até Tóquio (em 2020)."
*Colaborou Renata Mendonça.
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