Só a Vale mantém 430 famílias morando em hotéis ou em casas alugadas
Por Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil Rio de Janeiro
Famílias que viviam em áreas evacuadas devido ao risco de ruptura de quatro barragens da Vale ainda não têm prazo para retornarem a suas casas. Em alguns casos, pode levar anos. Segundo informou a mineradora, a reocupação de algumas regiões só deverá ocorrer após as estruturas, que se encontram no nível de alerta 3, forem rebaixadas para nível de alerta 1. Isso pode ocorrer durante a descaracterização da barragem, processo que levará entre três e cinco anos, dependendo de cada caso.
"O objetivo da Vale é que todas as barragens e diques com método de alteamento a montante estejam descaracterizadas ou com fator de segurança adequado, em um prazo de pelo menos três anos, de forma a não oferecer nenhum risco às pessoas e ao meio ambiente e atendendo aos requisitos legais. As comunidades localizadas na zona de autossalvamento permanecerão evacuadas de suas casas enquanto o nível de alerta da estrutura estiver em 2 ou 3", informou a mineradora.
O método de alteamento a montante é o mesmo associado às duas recentes tragédias da mineração brasileira. Na ruptura de uma estrutura em Mariana (MG) pertencente à Samarco, joint-venture da Vale e da BHP Billiton, 19 pessoas morreram em novembro de 2015. Em janeiro deste ano, um novo rompimento levou mais de 250 pessoas à morte, dessa vez ocorrido em Brumadinho (MG) em uma mina da Vale.
Quatro dias após esse segundo episódio, a Vale prometeu descaracterizar nove barragens construídas pelo método de alteamento a montante, incluindo quatro que estão no nível de alerta 3. Mais cinco foram incluídas no pacote e uma delas já teve sua descaracterização concluída , isto é, foram feitas obras para garantir sua estabilização e intervenções para reincorporar a área ao relevo e ao meio ambiente.
As quatro barragens que estão no nível de alerta 3 são: B3/B4, no distrito de Macacos em Nova Lima (MG); Sul Superior, em Barão de Cocais (MG); e Forquilha I e Forquilha III, ambas em Ouro Preto (MG), próximo ao limite com Itabirito (MG). O nível 3 é o alerta máximo, acionado quando há risco iminente de ruptura. Por esta razão, foram evacuadas áreas situadas na chamada zona de autossalvamento, que seriam alagadas em caso de ruptura.
Contenção
Para proteger comunidades e minimizar o impacto ambiental em caso de rompimento, a Vale incluiu no processo de descaracterização a construção de estruturas de contenção. Elas teriam a função de reter os rejeitos que vazassem em uma eventual tragédia. A maior delas é um muro de concreto de 60 metros de altura por 350 metros de extensão, que ficará a 11 quilômetros da jusante das barragens Forquilha I e Forquilha III.
A previsão é de que todas estas obras de contenção estejam concluídas em 2020. Em negociação com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ficou acertado que uma auditoria externa contratada deve fiscalizar algumas das intervenções.
Paralelamente, a Vale promete ampliar o uso do processamento a seco. Trata-se de um processo que não envolve o uso de água e, portanto, não utiliza barragens. Em maio, um aporte R$11 bilhões foi anunciado para os próximos cinco anos. De acordo com a mineradora, cerca de 60% de sua produção nacional atual recorre ao processamento a seco e a meta é chegar a até 70% em todo o país.
No Sistema Norte, situado no Pará, cerca de 80% das quase 200 milhões de toneladas produzidas pela Vale em 2018 teria sido obtida por esse processo. Em Minas Gerais, no entanto, 32% da produção é feita pelo processamento a seco.
Evacuados
Em setembro, a Vale informou que mais de 430 famílias estavam morando em hotéis ou em casas alugadas pela mineradora. Só em Brumadinho, eram 115. O número é maior ainda em Macacos, onde 125 famílias estão fora de suas casas, e em Barão de Cocais, que chega à 196. Além de assegurar moradia temporária para os desalojados, a Vale é responsável por manter benefícios, conforme acordos celebrado para cada localidade.
Em Barão de Cocais, por exemplo, o MPMG obteve em julho o compromisso da Vale de garantir pagamentos emergenciais às pessoas retiradas de suas casas. O valor, a ser repassado mensalmente a um representante de cada família, envolve um salário mínimo por adulto, meio salário mínimo por adolescente e um quarto de salário mínimo por criança. Os repasses estão assegurados inicialmente por um ano e não poderão ser descontados de indenizações individuais a serem futuramente calculadas.
Vocações econômicas
A Vale também lançou o Plano de Desenvolvimento de Territórios Impactados que prevê ações integradas em Macacos, Barão de Cocais e Itabirito. Com investimento total de R$ 190 milhões, ele é voltado para promover bem-estar social e estimular as vocações econômicas de cada uma das localidades.
Os recursos serão direcionados para as áreas de turismo, infraestrutura, educação, saúde, meio ambiente e capacitação profissional. Em Macacos, por exemplo, está prevista a capacitação de trabalhadores que atuam no turismo, a urbanização da área central e a restauração da Igreja de São Sebastião das Águas Claras, construída em 1718.
Em Barão de Cocais, o desassoreamento de cursos d’água para minimizar o risco de enchentes na cidade e outras melhorias da infraestrutura urbana estão entre os planos. Equipamentos públicos também serão reformados e criados em Itabirito.
Outras mineradoras
As evacuações vêm ocorrendo desde a tragédia de Brumadinho (MG), que resultou em mais de 250 mortes em janeiro desse ano. A medida foi adotada no entorno de barragens não apenas da Vale, mas também de outras mineradoras.
Em Itatiaiuçu (MG), a Arcelor Mittal realocou 185 moradores que viviam próximos a uma barragem da Mina de Serra Azul. Desde fevereiro, as famílias estão residindo em imóveis alugados pela empresa e recebem mensalmente um auxílio emergencial, conforme previsto em um acordo negociado com os atingidos e com o MPMG. Segundo a Arcelor Mittal, a barragem está inativa desde 2012 e terá sua estrutura reforçada para posterior descomissionamento.
Em agosto, a Emicon Mineração e Terraplanagem recebeu o prazo de 72 horas da Justiça para evacuar uma região rural em Brumadinho onde vivem nove famílias. As casas onde elas moram poderiam ser atingidas caso se rompesse uma barragem sob responsabilidade da empresa. Não há estudos recentes que assegurem a ausência de riscos relacionados à estrutura.
A decisão foi cumprida. Ela estabeleceu que os custos da mudança e do aluguel de um novo imóvel para as famílias são de responsabilidade da Emicon. A mineradora informou na ocasião que as medidas previstas na determinação judicial são preventivas enquanto estudos estão sendo concluídos. De acordo com ela, estavam em andamento trabalhos e estudos sobre a estabilidade das estruturas. Além disso, a Emicon avalia que a barragem não tem qualquer semelhança em tamanho, volume e potencial de dano com a que se rompeu em Brumadinho.
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