No Ceará, fatores ligados à vulnerabilidade social interferem nos registros de desaparecimento. A Polícia Civil desmistifica o senso comum que ainda acredita ser preciso esperar por 24 horas para dar início às buscas
Fonte:Por Emanoela Campelo de Melo, emanoela.campelo@diariodonordeste.com.br
imagens cedida pela internet
Passam os dias e a cada minuto a mais a angústia aumenta. É como viver um luto sem nem mesmo ter a certeza da morte. Ter resiliência para renovar a esperança de o fim da história vir com um desfecho feliz. Milhares de famílias sabem o que é conviver diariamente com a expectativa de a qualquer momento reencontrar um ente querido. No último ano de 2018, foram contabilizados no Estado do Ceará 2.033 Boletins de Ocorrência por desaparecimento. Desde o início deste ano já há, pelo menos, mais 141 novos casos.
Crianças, jovens, adultos e idosos. Os registros são numerosos e com faixa etária abrangente. No entanto, fatores ligados à vulnerabilidade social ainda interferem diretamente para que alguém suma subitamente, por vontade própria ou como última tentativa de resguardar sua vida, já que em determinadas vezes a ordem para a despedida repentina vem de um rival.
"Há uma similaridade do perfil de desaparecidos e dos que são mortos. É o jovem fora da escola, com conflito familiar e ameaça de território. Essa é a figura protagonista do desaparecimento. A questão do crime interfere nessa dinâmica, assim como a experimentação precoce das drogas. Mas o desaparecimento é uma questão que vai além. Os atendimentos vão desde a criança pequenininha até o idoso com problemas mentais", conta a titular da 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Arlete Silveira.
Em agosto de 2018, a Delegacia começou a trabalhar especificamente nos casos de desaparecimento. Conforme Arlete, a opção de a especializada integrar o Departamento de Homicídios decorre das situações em que o sumiço de alguém resulta em uma investigação de homicídio. "É um fato que o desaparecimento é uma vulnerabilidade, mas nas estatísticas, felizmente, a maioria é encontrada com vida".
Dados da Polícia Civil do Ceará mostram que em 66% das situações a pessoa é encontrada com vida. Em 29% dos casos, o desaparecimento e a investigação permanecem em aberto. No restante das vezes, o desaparecido é encontrado morto. A delegada destaca que quanto mais rápido a família buscar ajuda das autoridades competentes, há maior chance de a pessoa ser localizada em bom estado de saúde.
"É um mito que precisa esperar 24 horas ou qualquer outro tempo. Quando se procura a delegacia, o boletim é aberto de imediato. Nos casos de crianças e adolescentes há a Lei da Busca Imediata, que regulamenta a investigação imediatamente. Em muitas situações, a resposta está ali no entorno. Nós precisamos que as famílias registrem e isso pode ser feito em qualquer delegacia. Quando o caso é em Fortaleza, logo é encaminhado para nós".
Tormento
A história que envolve Teófilo Queiroz, de 44 anos, exemplifica que o desaparecimento está presente em qualquer camada social.
Por quatro dias, o empresário sofreu com a ausência da filha, que optou por sair de casa sem comunicar à família, no dia em que completou 18 anos de idade. A procura oficial pela jovem começou quando Teófilo foi até a delegacia mais próxima onde mora para prestar o Boletim de Ocorrência.
"Ela sumiu dia 14 de janeiro de 2019, logo quando foi comemorar a maior idade. Fui encaminhado para a delegacia onde fica a doutora Arlete. Imediatamente, ela saiu em diligência. A todo tempo a Polícia nos deu muita atenção. Nosso caso foi recebido com carinho e toda a equipe bastante empenhada. Só assim cheguei até a minha filha. Foi por esse empenho da Polícia que minha filha se comunicou. Os amigos receberam ligações dos investigadores e aos poucos chegamos ao paradeiro da minha filha. Esses próprios amigos disseram que a Polícia estava procurando e que ela devia aparecer logo. Ela apareceu a pedido dos amigos", recorda Teófilo.
O empresário acrescenta que não deseja a ninguém a sensação de impotência que sentiu durante a procura pela filha: "é uma aflição que não tem medida. Criei, eduquei, vivo pela minha família e, de repente, isso foi tirado de mim de uma forma sem explicação. Eu não ia desistir nunca de encontrar minha menina".
A experiência enfrentada pelo empresário é atual na vida da vendedora Girlanny Melo Costa. Há quase um mês, Francisco Douglas Gomes, de 17 anos, disse que estava de saída para um banho no açude, em Itaitinga, município situado na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Esta foi a última vez que Girlanny falou com o filho.
"Nove horas do dia 21 de janeiro, ele disse que ia para o açude. Já era costume dele ir lá. Fiquei esperando. Quando deu meio-dia e ele não apareceu comecei a ficar preocupada. À noite, fui procurar por conta própria e no dia 22 fiz o Boletim de Ocorrência. Os bombeiros procuraram, levaram cachorros e não encontraram nada", disse a mulher.
Girlanny se recusa a falar sobre Douglas no passado. Enquanto a Polícia Civil investiga o fato, ela, todos os dias, procura pelo garoto.
Basta que alguém aborde a possibilidade de ter visto Francisco Douglas vagando por qualquer endereço conhecido para que ela vá de encontro à possível pista.
Perseverança
"Já me disseram que acharam um calção que ele usava no dia que sumiu, mas não era o calção dele. Eu sei que tem muito perigo por aí. Até hoje eu ando por aí colando cartaz. Já fui em Fortaleza, Pacajus, Horizonte e Maracanaú. Ele é um menino bom, de família. Peço força a Deus para seguir. Queria encontrar meu filho de um jeito ou outro. Eu não sei mais nem o que pensar", narra a mãe.
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