Amanda Rossi
Na manhã deste domingo, a médica Marina Abreu Corradi Cruz dirigia apressada pelas estradas de terra do Parque do Cachoeira, zona rural de Brumadinho (MG). Três anos após atuar como voluntária na tragédia de Mariana, sua ajuda havia sido requisitada, o mais rápido possível, na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro.
"Depois de tudo que a gente viveu em Mariana, é devastador vivenciar isso de novo em Brumadinho, de forma ainda mais grave ainda. Nesses três anos, participamos de mobilizações, a imprensa divulgou, lutamos. Mas Mariana está esquecida", diz Marina, que faz parte da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.
O motivo da pressa de Marina, que mora em Betim (MG), era atender um chamado de urgência da coordenação de saúde de Brumadinho - onde, na última sexta-feira, se romperam as barragens de rejeitos de minério da mina Córrego do Feijão, da Vale, deixando cerca de 40 mortos e centenas de desaparecidos.
A sirene de alerta da mina havia disparado às 5h30, indicando que havia risco de rompimento da quarta barragem da mina Córrego do Feijão. Ao contrário das outras três que romperam na sexta-feira, esta barragem contém água, que se espalha com mais rapidez.
Por causa do alerta, diversas famílias do Parque Cachoeira precisaram fugir ou ser evacuadas de suas casas, deixando tudo para trás. Então, Marina e a Rede foram convocados para ajudar.
O chamado chegou antes das 7h, por mensagem de áudio no WhatsApp da coordenadora de saúde de Brumadinho. "Eu ouvi a mensagem, levantei correndo, não tomei banho, não tomei café, só peguei meu carro e vim", conta Marina, sentada no consultório que passou a ocupar na UBS a partir das 9h.
Do lado de fora da UBS, cerca de 20 pessoas aguardavam pelo atendimento de Marina e de outros 5 médicos da Rede, que também foram convocados para ajudar - todos voluntários.
Os médicos saiam e entravam da UBS, sem parar. A maior parte dos casos era de pessoas muito nervosas, agitadas, ou de diabéticos e hipertensos que fugiram de casa após a sirene, sem conseguir pegar os remédios.
"Aqui é muito mais complexo que Mariana, tem muito mais vítimas. Não só vítimas fatais, mas pessoas desalojadas, que perderam tudo. Aceitar isso não é fácil", diz Marina, que também foi voluntária no terremoto do Haiti, em 2010.
"A diferença entre Haiti e Mariana e Brumadinho é a diferença entre um desastre e um crime. O Haiti foi um desastre natural. Aqui foi um crime", fala, emocionada.
Além da dor, a solidariedade
Há muita dor em Brumadinho. Mas também há muita solidariedade. Assim como Marina, a cidade está repleta de voluntários.
Entre eles, as irmãs Maísa e Taísa Nogueira, de 25 e 29 anos, respectivamente. As duas passaram todo o sábado atuando como voluntárias na Estação Conhecimento, um espaço da mineradora Vale na cidade de Brumadinho, que está sendo usado para receber familiares e amigos de pessoas desaparecidas.
Moradoras da cidade, as irmãs ofereciam água, davam informação e consolo para as famílias. Além disso, Maísa, que é dentista, aferia a pressão de pessoas que se sentiam mal - o que é comum na Estação Conhecimento, local onde também são divulgadas as listas atualizadas de desaparecidos.
"Perdemos amigos e vizinhos na tragédia. Viemos tentar ajudar", diz Maísa. Além delas, o pai também estava trabalhando como motorista voluntário, transportando no seu carro as famílias que precisavam chegar até a Estação Conhecimento, para obter mais informações.
Outra jovem voluntária em Brumadinho é a estudante de direito Márcia Fernandes, de 20 anos. Moradora de Divinópolis (MG), ela chegou na cidade no sábado para atuar junto a um grupo de brigadistas - todos treinados para a função.
"Viemos da nossa vontade para poder ajudar, sem benefício nenhum, com a gasolina da gente. Tem tanta gente sofrendo, vidas que se foram e não vão voltar mais, pessoas que estão com esperança de achar algum familiar vivo. Eu fico emocionada. Entre as vítimas, não tem parente meu, não tem amigo, mas eu me imagino no lugar deles, como eu estaria", diz Márcia.
A função do grupo é dar instruções de segurança à população. "Os bombeiros precisam estar onde o fluxo está maior. A gente intervém em situações onde às vezes eles não podem estar", explica.
Na madrugada de domingo, por exemplo, o grupo fez plantão na parte baixa de uma estrada no Parque da Cachoeira. Com o rompimento das barragens, o local foi tomado pelos rejeitos, interrompendo a circulação. "Estávamos ali para orientar as pessoas a não descerem, não tentarem passar. A lama está muito mole, os rejeitos estão descendo, é muito perigoso".
Então, às 5h30, tocou a sirene. Márcia e os demais brigadistas deixaram a posição e correram para chamar os moradores daquele local. Era preciso evacuar a região. "A gente tinha que subir todo mundo muito rápido, porque a gente não sabia como estava a situação. Não estava chegando informação, só a sirene estava apitando", lembra.
"Tem pessoas que a lama levou tudo. A casa, o meio de sobrevivência, uma vida inteira. E ninguém tem uma posição para dar para elas. É começo de ano, né, a gente quer começar renovado. Mas estamos começando com essa tragédia, que, mais uma vez, poderia ter sido evitada. Mas não foi", lamenta Márcia.
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