Embora estejam geograficamente distantes, os reservatórios Araras, Figueiredo e Pedras Brancas possuem, em comum, a escassez de água
FOTOS: HERMANN RABELO
" Quando olho para o Araras, mesmo não estando seco, lembro de quando existia fartura de peixe aqui na região. A vida da gente que aprendeu a sobreviver dessas águas era difícil, mas não como vejo hoje. O peixe não desapareceu completamente, mas diminuiu muito em quantidade e tamanho. O pescado não desenvolve mais. Uma pena; esse era nosso tesouro". O relato do pescador José Francisco Castro, 65, traduz o sentimento de quem dedicou uma vida inteira sobre as águas calmas do Açude Paulo Sarasate, conhecido como Araras, para tirar o sustento da família.
A dura realidade de quem tinha como opção o cabo da enxada ou o remo das pequenas embarcações para sobreviver, ainda se mostra viva nas marcas deixadas nas mãos grossas pelas malhas de pesca, assim como na memória do homem de cabelos brancos que conserta o motor do pequeno barco, apelidado de "cobra criada".
Paixão
A necessidade que fez José Castro abraçar a profissão de pescador foi a mesma que desenvolveu nele a arte de construir embarcações para ampliar a renda. E nem mesmo o cansaço do corpo e as sucessivas dores de coluna o afastaram das águas do Araras, sua grande paixão. Mesmo aposentado, o homem não descansa. Sai cedinho de casa para organizar as redes, mexer no barco, ou acompanhar algum companheiro de pescaria. "Eu parei mesmo em 2001, mas não saio de perto desse açude. Mesmo consertando motor, ou apenas seguindo o pessoal açude adentro para montar as malhas, eu continuo por aqui. Apesar das dificuldades de hoje, a pesca artesanal ainda dá sustento para quem não tem outra opção. Curimatã, tilápia e piau são os peixes que ainda aparecem por aqui", diz o pescador, com um olhar fixo na imensidão do açude, construído em 1958, sobre o leito do rio Acaraú, no município de Varjota. O reservatório que se estende pelos municípios de Pires Ferreira, Hidrolândia e Santa Quitéria abastece 10 cidades da região Norte.
Atividade
Olhar para o Araras e seus irrisórios 19,7% de volume atual, o equivalente a 163 milhões de m³, segundo levantamento diário da Companhia de Gestão e Recursos Hídricos (Cogerh), é de assustar. O gigante de 891 milhões de m³, nem de longe lembra a força que tinha ao sangrar em 2009 e 2011, as duas únicas vezes em que isso ocorreu, ao longo dos últimos 10 anos. Nessa faixa de tempo, as sucessivas quedas em seu volume, devido à falta de recarga, resultado de seguidas estiagens sofridas em todo o Estado, atingiram alarmantes 7,27%, em dezembro de 2014; 4,31%, no fim de 2015; encerrando o ano seguinte com 3,46% de volume.
E apesar da recarga atual, a situação ainda é preocupante para as cidades que dependem de seu abastecimento, além dos distritos de irrigação Araras Norte, situado em Varjota, e o do Baixo Acaraú.
Aporte
De acordo com Bartolomeu Almeida, gerente regional da Cogerh, a abrangência do Açude Araras é enorme dentro do setor produtivo. "Com muita dificuldade, ainda temos conseguido manter a oferta de água, apesar das constantes estiagens e da demanda por abastecimento humano". A situação de aporte, não apenas do Araras, mas dos 14 outros reservatórios do Baixo Acaraú é crítica, ressalta Almeida. "Se comparado a 2017, ainda estamos em uma situação melhor, conseguida nas chuvas que encerraram o ano passado; mas vale destacar que as chuvas de pré-estação não repercutiram na situação dos reservatórios", diz. Em relação ao abastecimento humano, o gerente lembra que "três cidades da região têm recebido intervenção estadual: Nova Russas, Catunda e Crateús, seja por adutora ou perfuração de poços", conclui.
Perímetro irrigado
Foi entre 2015 e 2016 que o Araras chegou a alcançar incríveis 3,46% de volume, causando, entre outros transtornos, o fechamento dos canais do Perímetro Irrigado Araras Norte, a 5 quilômetros da sede de Varjota. Nesse período, 95% do plantio de frutas foi perdido. Por determinação da Cogerh e do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), as bombas foram desligadas, não sendo mais ofertada água para os irrigantes. O Perímetro chegou ao colapso. "Muitos dos produtores encerraram suas atividades e se deslocaram para as regiões Sul e Sudeste do País, em busca de emprego, gerando um verdadeiro êxodo", lembra Odilon Brum, gerente Executivo do Perímetro. "Entre aqueles dois anos, lutamos apenas para sobreviver. O perímetro não parou, por conta do sacrifício do empreendedor, sempre aguardando a chegada de um inverno contínuo", explica.
Retomada
Com os últimos aportes do açude, o perímetro, de responsabilidade do Dnocs, tem vivido um momento de retomada de suas atividades. A produção de banana e mamão ainda se mantém ativa. "Essa irregularidade de chuvas ainda nos preocupa muito. Embora concordemos com a determinação da Cogerh, de fechar o açude para recarga ao longo da quadra chuvosa, para posterior definição de como essa água deverá ser utilizada. Esperamos que possamos ter algum impulso de água, entre fevereiro e junho, para os irrigantes, caso o verão se estenda. Isso ajuda muito a salvar a produção, que tem se recuperado lentamente", pontua o gerente, assim como o produtor Francisco Teixeira, há 9 anos atuando no perímetro. "Nós lutamos muito para continuar aqui. Demiti pessoas, perdi investimento, enfim, (perdi) safras inteiras; mas com essa pequena melhora na quantidade de água, já sentimos uma mudança. Minha esperança é que o inverno deste ano traga alegria para o perímetro", conta o produtor, enquanto colhe a primeira leva de mamão deste ano.
Secando
O discreto aporte no Araras, ainda que não resolva a crítica situação que fora se instalando nos últimos anos com o advento da seca, aliviou minimamente os agricultores. A mesma sorte não tiveram os que dependem das águas do Açude Figueiredo, em Alto Santo. O 5º maior reservatório cearense está com apenas 4,79% de capacidade total (519,6 milhões de m³). Inaugurado em 2013, a barragem foi construída com a missão de abastecer cinco cidades da Região do Jaguaribe (Alto Santo, Iracema, Potiretama, Ererê e Pereiro). No entanto, após sucessivos anos de estiagem, o objetivo está bem longe de ser cumprido. "A água acabou. Só restaram algumas poças distantes da parede. Não sei como sobreviveremos caso este ano não tenha boas chuvas". O relato desesperado do agricultor Raimundo Nonato Justiniano, 59, é ecoado em outra cidade, a cerca de 160 km de Alto Santo. O Açude Pedras Brancas, 2º maior da região Central do Ceará e 6º maior do Estado, tem hoje apenas 11,17% de sua capacidade máxima, que é de 520 milhões de m³. Principal responsável por abastecer a cidade de Quixadá, o reservatório que fora construído em 1969, hoje, "mais parece um cemitério de árvores mortas", conforme descreve Paulo Bezerra. O agricultor lembra que o local, "antes rico de água, não serve mais para nada". A pouca água está fétida e a atividade de pesca foi encerrada há meses. "As canoas estão paradas à margem do açude, não têm mais utilidade alguma", acrescenta Bezerra.
A realidade dos açudes Araras, Figueiredo e Pedras Brancas, onde Paulo Bezerra tirou o sustento durante longos anos para manter esposa e seis filhos, é um retrato dos demais reservatórios cearenses. De acordo com dados do boletim da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), dos 155 açudes cearenses, 104 estão com volume inferior a 30% e apenas três possuem volume superior a 90% (Jenipapo, Cocó e Germinal). "Os principais açudes estão secos, não sei o que faremos se tiver mais um ano de seca", diz, com olhar perdido em meio à vegetação morta, a sertaneja Maria Elza da Silva.
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