Como pretexto para eliminar a comunidade, seus membros foram comparados a cangaceiros e jagunços
Fonte:DN/Regional por Alex Pimentel - Colaborador
Quixeramobim. Pouco mais de uma década após o início do reparo histórico sobre a saga de Antônio Conselheiro, principal personagem do embate entre retirantes da seca e tropas da República, na Guerra de Canudos, no Sertão da Bahia, o líder sertanejo começa a ser reconhecido como um herói cearense. Em Quixeramobim, no Sertão Central do Ceara, onde nasceu aos 13 de março de 1830, a data passou a ser comemorada com festa e uma programação especial, nas escolas, espaços culturais e ruas da cidade. Também é feriado municipal.
Na opinião de conterrâneos do mártir de Canudos, tamanha fama só havia conquistado Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, pernambucano, mesmo assim como vilão, por ter deixado um rastro de violência por onde passava.
"O Conselheiro é um herói porque enfrentou um exército inteiro, apenas com enxadas e uma legião de homens e mulheres comuns, castigados pela seca e pela miséria. Com palavras, esperança e uma fé inabalável, o peregrino dos sertões, considerado messiânico por suas pregações religiosas, conseguiu erguer uma cidadela nas entranhas do sertão, a qual batizou de Belo Monte", diz a estudante Natália Oliveira na ponta da língua.
A ousadia rendeu a Conselheiro e seus seguidores a atenção e a desconfiança do governo republicano que acabava de se instalar no País. Não demorou muito para os rebeldes conselheiristas, como ficaram conhecidos, serem considerados uma ameaça à paz, apesar de léguas de distância de qualquer outro povoado.
Como pretexto para eliminação da comunidade independente, foram comparados a cangaceiros e jagunços. Não imaginavam as expedições do Exercito Brasileiro ser o sertanejo acima de tudo um forte, como havia se expressado o escritor nordestino Euclides da Cunha, autor da obra "Os sertões".
Todavia, a fé e a coragem dos "anjos do sertão" não foram suficientes para vencerem o inimigo. Após sofrer três ataques das tropas do Governo, o arraial de Canudos não conseguiu resistir à expedição mais violenta. Além de morto em uma batalha desigual e sangrenta, Conselheiro foi decapitado naquela guerra em meados de 1897 como também ocorreu com Lampião, quatro décadas depois, a pouco mais de 200Km, no sertão de Sergipe.
Pesquisas
Para quem tem se dedicado a pesquisas sobre Conselheiro, como Ailton Siqueira, membro da equipe do Instituto do Patrimônio Histórico Cultural e Natural de Quixeramobim (Iphanaq), o estopim para a dizimação do arraial de Belo Monte foi o fato de a comunidade do arraial ter comprado madeira em Juazeiro da Bahia para erguer a sua igreja; todavia o comerciante não entregou a mercadoria e Conselheiro e o seu povo pretendiam ir buscá-la. Surgiram boatos de que iriam invadir e saquear a cidade. Descontentes, fazendeiros da região que haviam perdido seus trabalhadores para as promessas do líder de Canudos, também pressionaram o governo a atacá-los.
A história contada nas ruas da sua terra natal era outra, de causar vergonha. Além de comparados a cangaceiros, bandidos, ele e sua legião eram tidos como fanáticos. Não havia motivo para relembrar uma passagem tão ruim, nem mesmo nas escolas.
Todavia, a partir de 2004, com o surgimento do Ponto de Cultura Conselheiro Vivo, criado e idealizado pelo Iphanaq, uma semana inteira passou a ser dedicada ao vulto sertanejo. Debates em torno do seu ideal e promoção da cultura nordestina, as aulas, distribuição de cartilhas, o reparo histórico passou a ser difundido, ressaltou o presidente do Iphanaq, professor Elistênio Alves da Silva. As crianças passaram a sentir orgulho de terem um conterrâneo tão corajoso quanto os super-heróis dos quadrinhos e do cinema, na maioria idolatrados pelo patriotismo norte-americano. Poderiam até rotular o "Capitão Conselheiro", embora mereça uma patente maior, mas de carne e osso, real, somente ele.
Transformação
"Para entender essa transformação, foram necessários anos de pesquisas e principalmente da correta interpretação do movimento da época relatado nas páginas da obra de Euclides da Cunha.
Apontado como um vilão, o líder do povoado de Belo Monte, o herói sertanejo pretendia apenas proteger a sua cidadela, erguida por muitas mãos, por quem buscava apenas um lugar seguro para sobreviver, em liberdade", completou o pesquisador Elistênio Alves.
Fique por dentro
Mais de 6 mil morreram em Canudos
Segundo historiadores, a Guerra de Canudos ou insurreição de Canudos, foi um confronto entre um movimento popular liderado por Antônio Conselheiro, considerado um líder religioso, e o Exército da República. O confronto durou de 1896 a 1897, no então arraial de Canudos, interior da Bahia. A pequena aldeia surgiu durante o século XVIII às margens do rio Vaza-Barris. Com a chegada de Conselheiro, em 1893, passou a crescer vertiginosamente. Em poucos meses, passou a contar com cerca de 25 mil habitantes. Antônio Conselheiro rebatizou o local de Belo Monte, apesar de estar situado num vale, entre colinas. Formada na maioria por flagelados da seca, a nova cidade, independente, passou a incomodar o clero e os latifundiários da região. O Exército Brasileiro resolveu enfrentar os sertanejos, mas foi derrotado em três expedições, incluindo uma comandada pelo coronel Antônio Moreira César, também conhecido como "corta-cabeças". A derrota das tropas do Exército nas primeiras expedições contra o povoado apavorou o País, e deu legitimidade para a perpetração do massacre que culminou com a morte de mais de seis mil sertanejos. Todas as casas foram queimadas e destruídas.
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"A gente sabia que Conselheiro sempre foi um guerreiro, independentemente de tudo que passou, mas saber que, na realidade, ele defendeu seu povo com a própria vida; isso é para sentir orgulho"
Ana Luiza Holanda Câmara
Estudante
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"Quando descobrimos a verdadeira história de Antônio Conselheiro, percebemos a sua coragem para guiar um povo sofrido e defendê-lo. Os nossos jovens estão aprendendo que os verdadeiros heróis são de carne e osso"
Wesley Rodrigues Morais
Coordenador Pedagógico
Coordenador Pedagógico
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