Camilla Veras Mota
José Carlos Honorato colheu oito quilos de quiabo antes de sua casa ser destruída por uma avalanche de lama na tarde do dia 5 de novembro de 2015. "Eu sabia que a barragem tinha rompido, mas meu vizinho tinha dito que só ía chegar uma 'marolinha' aqui", diz ele, que é morador de Paracatu, distrito rural de Mariana (MG), a 35 km da cidade.
Ele estava tomando banho quando o mesmo vizinho entrou na casa gritando que um tsunami de rejeito de minério de ferro vinha descendo rio abaixo. Honorato vestiu o que viu pela frente e saiu correndo para a parte mais alta do vilarejo. Na mesa da sala ficou a camisa, com R$ 700 no bolso que ele havia recebido de um pagamento mais cedo.
O rompimento da barragem de Fundão, operada pela mineradora Samarco, destruiu completamente três distritos do entorno: Bento Rodrigues - o mais afetado, a apenas 2 km do local do acidente -, Paracatu, a cerca de 40 km, e Gesteira, a 60 km.
Cerca de mil pessoas perderam suas casas e foram reassentadas em Mariana, onde vivem há dois anos em imóveis alugados pela empresa, enquanto aguardam a reconstrução de suas comunidades em terrenos próximos definidos entre seis meses e um ano depois da tragédia, considerada o maior desastre ambiental do país.
Os atingidos lidam de maneiras diferentes com a vida provisória e com a espera. Muitos duvidam do prazo de entrega estipulado pela Fundação Renova - que hoje responde pelas ações de reparação da mineradora Samarco e de suas controladoras, Vale e BHP Billiton -, em 2019.
Há quem tema pela segurança, por achar que os novos distritos ficarão visados. Tem família em que a mulher quer voltar e o marido não, tem gente que não quer retornar porque teme um novo desastre. Ainda estão de pé no complexo da Samarco as barragens de Santarém e de Germano, a maior entre as três que compunham o sistema de rejeitos. As atividades da mineradora estão suspensas desde o fim de 2015, mas há um ano a companhia vem tentando recuperar as licenças ambientais para voltar a operar.
"Meu dinheiro está em algum lugar aqui embaixo", diz Honorato, ao caminhar sobre os escombros do que um dia foi sua casa. Hoje ele relembra a história com bom humor, mas no primeiro ano, conta, era difícil falar sobre o desastre sem chorar.
Ele havia se mudado com esposa fazia dois anos, porque queria "um cantinho para mexer com a terra". Para se manter ocupado, o aposentado de 58 anos dirige um taxi em Mariana e não vê a hora de se mudar para a "nova" Paracatu, onde quer voltar a plantar jiló, tomate cereja, alface, mandioca, limão, mexerica e, claro, quiabo.
Tudo é provisório
A área foi escolhida em votação pelos moradores de Paracatu em setembro do ano passado. Dos nove terrenos que vão compor os 390 hectares, a Renova afirma ter adquirido oito. O último estaria em fase final de assinatura de contrato.
Angélica Peixoto, professora da escola municipal de Paracatu, tem medo de que a vida provisória em Mariana dure muito mais que o previsto, já que os primeiros prazos anunciados pela fundação - para escolha e compra dos terrenos - , segundo ela, não foram cumpridos.
A Renova reitera que as três comunidades engolidas pela lama serão entregues em 2019.
Apesar de angustiada, ela está entre os poucos atingidos que não pediram para se mudar desde que chegaram a Mariana ou que mantiveram o imóvel praticamente como foi entregue. "Eu tenho que colocar na cabeça que isso daqui é provisório", repete para si mesma.
Antes assídua aos encontros da comissão de moradores - que, com a assessoria técnica da ONG Caritas, negocia o processo de reparação dos atingidos com a fundação - e às audiências no fórum de Mariana, a professora hoje vai eventualmente às reuniões com a empresa.
Os encontros com advogados e funcionários da Samarco e da Renova, ela diz, são em geral tensos, desgastantes, e se estendem por horas. "Não abro mão dos meus direitos, mas tenho que viver".
A relação com a fundação é motivo de queixa de diversos atingidos. O presidente da Renova, Roberto Waack, admite que a Samarco não tinha estrutura, no momento inicial, para lidar com a questão social do desastre.
Uma das preocupações durante a criação da fundação, em março de 2016, ele acrescenta, era formar uma equipe mais preparada para lidar com os atingidos. Dos 500 funcionários, apenas 20% são da mineradora.
Infância
"Os meninos têm medo de não serem mais crianças quando voltarem para o Bento", diz a educadora Eliene Santos, diretora da escola municipal de Bento Rodrigues.
A rotina de seus cerca de cem alunos mudou bastante nos últimos dois anos. Na zona rural, o contato com a natureza era diário, com banhos de cachoeira e brincadeiras à sombra das árvores.
Em Mariana, a visita de psicólogos e de pesquisadores que vêm a cidade para estudar o impacto do trauma sobre as crianças é constante. "A espera está sendo tão angustiante que eles estão adoecendo".
O terreno onde Bento Rodrigues será reerguido foi definido em maio do ano passado. Conhecido como Lavoura, ele está a 9 km do distrito original e pertencia à empresa ArcelorMittal.
Desde então, uma série de problemas no projeto urbanístico vem atrasando o cronograma de reconstrução, diz a promotora Andressa Lanchotti, que coordena a força-tarefa relacionada ao desastre de Mariana no Ministério Público de Minas Gerais.
Foi preciso, por exemplo, firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para fazer adequações no aterro sanitário que está a apenas dois quilômetros de distância, para que ele não contamine a cidade.
Ainda assim, a previsão oficial, segundo Waack, é que os serviços de terraplanagem comecem no início de 2018 e que as primeiras casas sejam entregues no fim do ano. "É um mundo de burocracias que têm que ser vencidas", afirma ele, referindo-se à demora para o início das obras.
Na casa dos Santos, a família está dividida a respeito do Novo Bento. A educadora sente vontade de voltar, mas o marido pensa em ficar em Mariana. Ele está preocupado com o aterro sanitário e com a falta de policiamento do distrito, que vai ficar mais isolado, longe dos antigos vizinhos de Santa Rita Durão e de Camargos.
Ela quer voltar a ter uma casa com quintal grande o suficiente para reunir a família nos aniversários. "Eu também penso nos meus alunos. O que vai ser quando eles forem embora?"
Indenizações
O pagamento das indenizações, que ainda estão sendo negociadas, é outra questão que angustia as vítimas do desastre. Em Mariana, a Renova está refazendo o cadastro dos atingidos de Paracatu e Bento Rodrigues depois de uma série de reclamações formais a respeito do questionário, que usava um vocabulário que confundia alguns moradores.
Os aplicadores perguntavam, por exemplo, se os atingidos julgavam que haviam perdido equipamentos públicos. "Um conhecido meu respondeu que não e eu perguntei a ele: 'Seu filho usava a escola? Você ía na praça? Então, isso tudo é o tal do equipamento público", conta o agricultor Marino D'Ângelo.
As vítimas recebem um auxílio emergencial de um salário mínimo por mês, mais 20% por dependente e o valor de uma cesta básica. Das compensações, foram antecipados pagamentos de R$ 10 mil às famílias que tinham residência de uso eventual nos distritos atingidos, R$ 20 mil às que perderam a casa em que moravam e R$ 100 mil aos parentes de desaparecidos ou mortos.
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