Bruno Bocchini - Repórteres da Agência Brasil
O cardeal dom Paulo Evaristo Arns foi homenageado na noite de hoje (24) no Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), na capital paulista, pelos seus 95 anos de vida, comemorados no dia 14 de setembro, e pela sua atuação política. A cerimônia foi marcada por relatos de ações de Arns contra a ditadura militar, nas décadas de 60 e 70, e em defesa dos direitos humanos. O papa Francisco enviou uma mensagem especialmente para a comemoração.
O cardeal compareceu e fez uma breve fala de agradecimento ao final. Ao ter seu nome anunciado, o auditório o recebeu com gritos de “fora, Temer”, o que se repetiu algumas vezes durante a cerimônia. Mais de uma dezena de personalidades, entre intelectuais, jornalistas, professores, líderes de movimentos sociais, juristas e religiosos, fizeram discursos em homenagem ao cardeal. Ele recebeu camisetas e bandeiras de movimentos sociais, como o Levante Popular da Juventude, a Democracia Corintiana, e posou para os fotógrafos com o boné do MST na cabeça.
“O rosto de Dom Paulo é da periferia de São Paulo. Ele é ecumênico, coração aberto, anunciando a urgência de resistirmos contra toda mentira, contra toda impostura. Naquele tempo, contra a ditadura civil-militar. E essa resistência, a que ele nos convida, é permanente no Brasil atual”, disse Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo da diocese de Blumenau.
Trabalho pastoral
O trabalho pastoral de Arns foi voltado aos habitantes da periferia, aos trabalhadores, à formação de comunidades eclesiais de base nos bairros, principalmente nos mais pobres, e à defesa e promoção dos direitos humanos. Sua atuação contra a repressão da ditadura ganhou destaque em 1969, quando passou a defender seminaristas dominicanos presos por ajudarem militantes opositores.
“Todos nós que fizemos alguma coisa que pôde ser registrada no painel da resistência democrática devemos isso a Dom Paulo, à sua coragem e destemor de profeta e seu ensinamento enraizado nos valores franciscanos de apóstolo”, disse o ex-ministro José Gregori. “O senhor foi o chefe da redemocratização dos direitos humanos nesse país”.
O advogado e ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh lembrou da atuação do Arns quando houve o assassinato do líder operário Santo Dias da Silva, alvejado pela Polícia Militar durante uma manifestação em 1979, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo. O corpo de Santos foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) central, em Pinheiros, em meio a uma grande comoção popular.
“Quando a gente chegou, o IML estava cercado pela Tropa de Choque. Dom Paulo desceu e ele foi só mexendo a mão com o anel [de bispo] e os policiais foram afastando e a gente ia passando. Nós entramos, e Dom Paulo olhou as marcas de tiros no corpo do Santo e apontou com o dedo olhando para os policiais: olha que o vocês fizeram. E todos os da repressão abaixaram as cabeças envergonhados”, narrou.
Guia de movimentos sociais
O coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, disse que Arns serviu de guia aos movimentos sociais que surgiram no país nas últimas décadas. “A maioria dos movimentos que hoje existe, MST, MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da Terra, Cimi [Conselho Indigenista Missionário], nascemos orientados por vossa sabedoria, que pregava: em tempos de ditadura, deus só ajuda quem se organiza. Então fomos nos organizar. Queremos agradecer de coração por tudo que o senhor fez nesses 95 anos, sobretudo porque o senhor ajudou a acabar com a ditadura militar no Brasil”, disse.
Arns também teve atuação marcante contra a invasão da PUC, em 1977, comandada pelo então secretário de Segurança, coronel Erasmo Dias. Ele esteve a frente ainda do planejamento da operação para entregar ao presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, uma lista com os nomes de desaparecidos políticos. Em 1972, dom Paulo criou a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, e em 1985, a Pastoral da Infância, com o apoio da irmã Zilda Arns.
Arns agradeceu, ao final da cerimônia, aos discursos e disse que chegou a sugerir ao Papa Paulo VI a canonização do líder operário Santo Dias. “O senhor pode e deve canonizar um operário. Sábio Papa respondeu: não dá. Porque ele já é a santo. Já dizem que é santo". Ele ainda brincou com a plateia: "E a mulher dele diz que ele é santo, o que é um milagre”.
Edição: Fábio Massalli
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