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segunda-feira, 7 de maio de 2018

O BRASIL TEM 6,9 MILHÕES DE FAMÍLIAS SEM CASAS E 6 MILHÕES DE IMÓVEIS VAZIOS, DIZ URBANISTA.

Fernanda Odilla, Nathalia Passarinho e Luís Barrucho

Famílias que ocupavam o prédio no Flamengo, zona sul do Rio, deixam a Cinelândia e ocupam agora a Praça da Cruz Vermelha, no centro da cidade em abril de 2015Direito de imagemTOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL
Image captionEdésio Fernandes: 'É importante que a lei determine onde o pobre vai viver'
O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo e foi ao chão no centro de São Paulo, não apenas escancarou o problema do déficit habitacional no Brasil como jogou luz sobre a situação dos imóveis vazios que, mesmo sem condições adequadas, atraem milhares de pessoas em busca de teto.
O país tem, pelo menos, 6,9 milhões de famílias sem casa para morar. Tem também cerca de 6,05 milhões de imóveis desocupados há décadas.
Esse descompasso, que já havia sido indicado pelo Censo de 2010, tem motivado uma onda de ocupações e invasões em uma escala jamais vista no país, diz o urbanista Edésio Fernandes, professor de direito urbanístico e ambiental da UCL (University College London).
"A diferença das ocupações tradicionais está no volume. Não se sabe quantas pessoas vivem dessa forma, sem falar das práticas precárias de aluguel e o surgimento dos cortiços, sobretudo nas áreas centrais, agravado pelo crescimento da população de rua", diz Fernandes, pontuando que as novas ocupações são maiores que muitos municípios brasileiros em termos populacionais.
O professor cita como exemplo dessa nova onda a ocupação batizada de Izidora, em Belo Horizonte. Formada por três vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória), Izidora reúne 30 mil pessoas numa área de cerca de 900 hectares ocupada a partir de 2013. Fernandes cita também a ocupação Povo Sem Medo, de São Bernardo, que em uma semana já tinha reunido 6 mil pessoas no ano passado.

Edésio Fernandes, professor de direito urbanístico e ambiental, membro da Development Planning Unit - University College London -Direito de imagemCYNTHIA VANZELLA/DIVULGAÇÃO BRAZIL FORUM
Image captionO professor Edésio Fernandes afirma que famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos representam 93% do déficit habitacional do Brasil
Fernandes diz que o problema é a falta de leis para definir onde os mais pobres vão morar. "Não há planejamento e pensamento sobre onde vão viver os pobres. (...) Os centros de cidades estão perdendo população, mas o lugar dos pobres é cada vez mais a periferia", afirma o professor, que é membro da Development Planning Unit da UCL.
Para resolver esse problema, diz Fernandes, a solução não passa apenas por facilitar a aquisição de propriedades para quem tem baixa renda. Ele defende uma mescla de políticas públicas, que incluem também propriedades coletivas, moradias subsidiadas e auxílio-aluguel como medidas necessárias para acabar com o déficit habitacional, que é maior entre famílias que têm renda entre zero e três salários mínimos - cerca de 93% dos 6,9 milhões de famílias sem teto têm renda de até R$ 2,8 mil.

Cotas sociais e raciais para moradia

Joice Berth, arquiteta e urbanista especializada em direito à cidade com recorte em gênero e raça, assessora parlamentar em Londres - maio de 2018Direito de imagemCYNTHIA VANZELLA/DIVULGAÇÃO BRAZIL FORUM
Image caption'Em nenhum momento estamos pensando em política urbana a partir da questão racial', diz a arquiteta e urbanista Joice Berth
É por isso que a arquiteta e urbanista Joice Berth defende reservar cotas habitacionais em espaços com mais infraestrutura para negros.
"A gente precisa desfazer o modelo de casa grande e senzala", afirma Berth, dizendo que bairros como Pinheiros e Itaim Bibi, em São Paulo, são bairros mais brancos e com maior renda "onde a negritude não pode estar".
A arquiteta pontua que "brancos e pretos pobres se parecem, mas não são iguais". Por isso, ela defende cotas não apenas em programas de aquisição de imóveis em conjuntos habitacionais, mas também uma política que garanta acesso direto à terra aos negros.
Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do PaissanduDireito de imagemRICARDOSAPO©/CREATIVE COMMONS
Image captionPara o arquiteto francês Philippe Rizzotti, o edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo na capital paulista, era um 'dos marcos da arquitetura'
Ela também acredita que está na hora de radicalizar as pautas. "Até porque com o advento das cotas (na educação) temos pessoas com novo olhar", observa.
Em relação às ocupações, Berth diz que a solução pode passar por reformar esses imóveis e manter os moradores que lá estão.
O professor Edésio Fernandes, no entanto, observa que o "Brasil não tem tradição nem know how" para transformar imóveis comerciais em residenciais, e isso pode encarecer e dificultar essa conversão. "Faltam tradição e tecnologia", salienta.

Perversidade

Fernandes observa ainda que programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) deixaram a desejar. Na avaliação dele, além de não atender com prioridade a população com renda mais baixa, o MCMV oferece imóveis de baixa qualidade construtiva e ambiental.
O professor lembra, no entanto, que o Brasil não é o único país a enfrentar dificuldades para manter uma política habitacional de qualidade. Fernandes cita o incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda em Londres, que usou material de baixa qualidade e inflamável em uma reforma antes da tragédia que matou 71 pessoas.
Grenfell Tower parcialmente queimada, junho de 2017Direito de imagemEPA/FACUNDO ARRIZABALAGA
Image captionEm Londres, incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda, reformado com material de baixa qualidade e inflamável
Ele também compara o incêndio da torre britânica com o do prédio do centro de São Paulo. "Os dois incêndios revelam muito mais do que a falência de um modelo e de uma política, revelam a perversidade dessa forma de se fazer cidade e moradia", afirma.
A falência, acredita Fernandes, também se estende ao sistema de representação política e reflete a falta de mobilização da sociedade para demandar seus direitos.
"Sobretudo, é a falência da nossa história de não confrontar a estrutura fundiária, segregada e privatista", diz.
Fernandes e Berth conversaram com a BBC e defenderam mudanças na política habitacional brasileira no sábado, durante palestra no Brazil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido.

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