Akemi Nitahara e Isabela Vieira – Repórteres da Agência Brasil
O uso de um caminhão para o roubo de uma relíquia de 2 metros quadrados, datada de 1740, retirada de uma fazenda histórica tombada na região metropolitana do Rio de Janeiro, é a prova de que o local corre riscos.
Para preservar a Fazenda Colubandê, marco da arquitetura colonial e uma das maiores produtoras de cana-de-açúcar do país no século 19, a Justiça Federal determinou que o local seja protegido de forma ininterrupta, a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Em janeiro, foi roubado da capela da Sant'Anna, também tombada, o retábulo (uma espécie de altar, talhado no estilo barroco), além de portas e janelas originais, de madeira maciça.
A preocupação do MPF é proteger a última relíquia da fazenda: o painel de azulejos portugueses, com imagens bíblicas. Neles, Santa Ana aparece com a Virgem Maria e São Joaquim, referências às igrejas de Almada e Alvor, em Portugal. Ao longo dos anos, já foram roubados da capela os sinos e todas as imagens de santos, valiosas peças de arte sacra. Por causa das invasões e do ataque de vândalos, Colubandê pode perder ainda uma peça moderna. O mural da artista plástica Djanira, feito em homenagem às mulheres, nos anos de 1960, está todo pichado.
Para proteger a fazenda, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Justiça determinou que o governo do estado do Rio apresente em dez dias um plano de vigilância ininterrupta, com segurança pública ou privada. No mesmo prazo, cobrou um relatório detalhado com as medidas para investigar o roubo e impedir a depredação do que sobrou. A decisão é do último dia 8 de fevereiro, mas o governo, por meio da Secretaria de Fazenda, disse que ainda não foi notificado. A multa pelo descumprimento é de R$ 100 mil.
A Fazenda Colubandê é composta da capela, de um casarão com 38 quartos, incluindo a senzala, bosque, espaços esportivos, teatro de arena e piscina, uma área de cerca de 120 mil metros quadrados. Um refúgio rural em meio à zona urbana de São Gonçalo, na região metropolitana. Na última semana, a Agência Brasil esteve no local duas vezes e constatou que o imóvel permanece abandonado, sem policiamento ou vigilância, vulnerável a vândalos e usuários de drogas que chegam a acender fogueiras com madeiras da estrutura da fazenda.
O juiz que analisa o caso, Fábio Tenenblat, considerou que o estado “persiste descumprindo” decisões anteriores de “proteger o patrimônio que o imóvel representa”. Em despacho anterior, de outubro de 2016, a Justiça já tinha obrigado o governo do Rio a apresentar um projeto para reforma e preservação da Colubandê em até 120 dias, prazo que se encerra no fim deste mês.
A Secretaria de Fazenda, no entanto, por conta da crise financeira do estado, não tem previsão de licitar o anteprojeto de reforma do imóvel – e que precisa ser aprovado pelo Iphan –, apesar de reconhecer a situação de degradação do imóvel. O governo também não reforçou o policiamento e a Polícia Militar esclareceu que faz apenas rondas dinâmicas no local.
Comunidade
No último domingo (12), moradores e defensores da fazenda se reuniram em uma manifestação contra o abandono da Colubandê e aproveitaram para limpar e capinar a área, em meio a muito lixo. Eles organizam um abaixo-assinado que será entregue à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) pedindo a recuperação do local.
“Se o estado, nem a prefeitura, nem a federação tem interesse, entreguem para comunidade, que vão ser feitas aqui oficinas, aulas, ocupando e valorizando um patrimônio que nos pertence”, afirmou o historiador e arqueólogo Claudio Prado de Melo, da organização não governamental Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio, e um dos organizadores do protesto.
O drama da comunidade começou com a saída do Batalhão de Polícia Florestal da Colubandê, em 2012. Os militares cuidavam das instalações, impedindo a deterioração do imóvel, como infiltrações, atos de vandalismo e serviam até de guias turísticos. Desde então, o governo tenta passar a fazenda para o município de São Gonçalo, que se interessa pelas instalações, mas afirma não ter condições de arcar sozinho com a reforma e preservação.
Moradora do bairro Colubandê, a professora Monsuaria Moraes lembra que participava de programas esportivos na fazenda quando era adolescente e lamenta a situação. “Era bem organizado, a gente tinha uniforme, era um aproveitamento verdadeiro do espaço”, disse.
Investigação
O retábulo roubado deve ser incluído na lista de Bens Culturais Procurados do Iphan, mas especialistas em arte sacra acreditam que a peça já deve ter sido vendida no mercado negro. O valor da peça antiga, que poder conter pintura de ouro, não foi calculado.
A Polícia Federal, acionada para investigar o caso, não confirmou abertura de inquérito.
Edição: Lílian Beraldo
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