João Fellet
O sumiço de 19 brasileiros que tentavam viajar das Bahamas rumo à Flórida expõe a diversificação das rotas usadas por migrantes do país para entrar ilegalmente nos EUA, conforme a travessia pelo México se tornou mais arriscada.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, parentes dos desaparecidos disseram ter perdido contato com o grupo no início de novembro. O órgão diz que não há informações sobre os brasileiros nem sobre a suposta embarcação que os levaria aos EUA.
Autoridades dos três países investigam as hipóteses de naufrágio ou de que os migrantes estejam escondidos nas Bahamas, aguardando o melhor momento para se deslocar.
Se confirmada, a tentativa de travessia pelas Bahamas reforça uma tendência que vem ganhando força entre imigrantes brasileiros nos últimos anos, à medida que o grupo busca alternativas à tradicional rota pelo México.
O Ministério de Relações Exteriores diz que 14 brasileiros estão hoje detidos em Pompano Beach, na Flórida, por terem tentado chegar aos EUA a partir das Bahamas.
O país caribenho fica a 290 km da costa americana e não exige vistos de turistas brasileiros. Em geral, os migrantes viajam ao país de avião e, de lá, tentam chegar aos EUA em pequenas embarcações ou até em navios de cruzeiro.
Em julho de 2015, a BBC Brasil publicou uma reportagem sobre a alta no número de brasileiros barrados nas Bahamas ao tentar chegar à Flórida sem os documentos adequados.
O número de detidos nos primeiros sete meses daquele ano (90) já ultrapassava o total de detenções em 2015 (80), segundo dados passados pelas Bahamas ao Ministério de Relações Exteriores brasileiro.
Em nova consulta feita nesta semana, o ministério divulgou um número menor de detenções de brasileiros nas Bahamas em 2015 (56), mas, questionado sobre a diferença, não explicou o porquê.
A pasta disse ainda que os "dados de 2016 estão em processo de consolidação, mas há tendência de estabilidade em relação a 2015".
Rota mais tranquila
Há 18 anos trabalhando como editora-executiva do Gazeta Brazilian News, um dos maiores jornais da comunidade brasileira na Flórida, Fernanda Cirino diz que a rota é usada há muitos anos, mas se tornou mais popular entre migrantes brasileiros a partir de 2015.
Ela afirma que, em geral, a travessia é realizada por pessoas que não conseguem obter um visto para viajar aos Estados Unidos ou nem chegam a solicitá-lo, acreditando que terão o pedido negado.
Muitos já têm parentes no país e vendem um carro ou uma casa para pagar a viagem.
Segundo Cirino, a rota pelas Bahamas é mais cara que a travessia pelo México. Uma reportagem no site G1 cita uma gravação com um dos desaparecidos em que ele diz que pagaria R$ 50 mil para chegar à Flórida de barco.
Cirino afirma que a rota tem fama de ser relativamente tranquila e segura entre os imigrantes, e que há até relatos de brasileiros que completam o trajeto em jet-skis.
A jornalista afirma que o controle migratório nas Bahamas é tido como "fraquíssimo": segundo ela, passageiros que chegam ou saem do país de barco devem comparecer a um quiosque para carimbar os documentos, mas muitos deixam de fazê-lo.
De acordo com Cirino, muitos migrantes se deslocam até praias da Flórida protegidas por parques, descem e vão caminhando até carros que os aguardam. Em alguns casos, diz ela, os migrantes mergulham e chegam à praia como se fossem banhistas.
A vigilância na Flórida é mais rigorosa, diz ela, mas ainda assim a Guarda Costeira não consegue barrar todas as embarcações irregulares. Quase todos os dias aportam na Flórida barcos com migrantes vindos de Cuba, Haiti e outros países caribenhos.
"Com a eleição do (Donald) Trump, as pessoas se desesperaram achando que vai ficar mais difícil entrar e estão se adiantando", afirma.
Nos últimos anos, a polícia americana prendeu alguns brasileiros na Flórida acusados de integrar quadrilhas que transportavam migrantes a partir das Bahamas.
Canadá e turismo
Segundo advogados migratórios, além das Bahamas, muitos migrantes brasileiros têm entrado nos EUA pelo Canadá.
Entre os migrantes, há a percepção de que conseguir um visto canadense é mais fácil do que um visto americano e de que a fronteira entre os dois países é menos policiada que a do México.
Advogados afirmam que hoje, no entanto, a maioria dos migrantes brasileiros que moram irregularmente nos EUA chegam ao país com vistos de turista, o que indicaria uma mudança no perfil do grupo.
Nos anos 1980 e 1990, quando houve a primeira grande onda de migração brasileira aos Estados Unidos, grande parte os migrantes tinha baixa qualificação profissional e, incapaz de obter vistos, chegava ao país atravessando a fronteira com o México.
Muitos eram provenientes da região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, especialmente a cidade de Governador Valadares.
Na última década, a viagem se tornou mais arriscada à medida que o México e os Estados Unidos ampliaram a vigilância na fronteira, levando muitos migrantes a traçar rotas mais longas e por áreas inóspitas e desérticas.
Tornaram-se comuns os casos de migrantes mortos por desidratação durante a travessia. No mesmo período, gangues mexicanas intensificaram as ações na área da fronteira e deixaram os migrantes vulneráveis a sequestros, extorsões e estupros.
A partir de 2015, advogados afirmam que se iniciou uma nova onda migratória aos EUA, composta por brasileiros de todas as regiões do país e com maior qualificação profissional.
Naquele ano, brasileiros foram a nona nacionalidade mais barrada por autoridades migratórias nos EUA, com 1.911 detenções. Em 2013, haviam sido a décima quarta, com 1.702.
Segundo o governo brasileiro, há hoje cerca de 1,2 milhão de brasileiros morando nos EUA.
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